Em 2020 houve a notificação de 446.881 acidentes de trabalho, alta de 37% no ano seguinte, com 612.920
“Até você terminar de ler este parágrafo, mais um acidente de trabalho será notificado no Brasil.” É assim que começa o relatório no portal do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), que, por meio do Observatório de Segurança do Trabalho, informa que pelo menos uma pessoa morre no Brasil a cada período de quatro horas, mais precisamente três horas e 47 minutos.
O número de mortes por acidente de trabalho aumentou 37% entre 2020 e 2021. A quantidade de óbitos ocupacionais também teve alta, de 36%. A estimativa tem como base os registros envolvendo trabalhadores formais, os que têm carteira de trabalho assinada, e mostram que o índice de acidentes e mortes ocupacionais cresceu nos últimos anos.
O técnico em segurança do trabalho Robson dos Santos explica que o acidente de trabalho é caracterizado como incidente que provoque lesões corporais, perturbação funcional ou doença que reduza a capacidade de trabalho do funcionário ou até mesmo sua morte. Robson avalia que a precarização do trabalho ao longo dos anos tem contribuído substancialmente com o crescimento do número dessas ocorrências.
“Uma vez que deixam de ser feitos investimentos na prevenção de acidentes, a probabilidade de que estes ocorram aumenta. Deve-se levar em conta que a prevenção deve ter como premissa a proteção coletiva, seguida de medidas administrativas e, por fim, e somente após esgotar as possibilidades de uso de proteção coletiva, são aplicadas as medidas de proteção individual.
Ainda de acordo com o observatório do CNJ, somente em 2020 houve a notificação de 446.881 acidentes de trabalho, índice que aumentou 37% no ano seguinte, chegando à marca de 612.920 ocorrências. Já a quantidade de óbitos saltou de 1.866 para 2.538 em um ano, alta de 36%.
Com experiência de cerca de 15 anos na área, Robson afirma já ter presenciado alguns desses acontecimentos, inclusive diz ter visto colegas sofrerem mutilações por, segundo ele, “confiar na experiência e não seguirem procedimentos de bloqueio de máquinas, ou mesmo por usar uma máquina para a qual não estava habilitado”. “Pessoas que acessam áreas restritas e foram atropeladas, ou mesmo pessoas que por não usar o EPI (Equipamento de Proteção Individual) acabaram por se lesionar. Em todos estes casos ficou claro que estes acidentes poderiam ter sido evitados”, acrescenta.
Ainda de acordo com o documento do observatório, as faixas etárias nas quais mais ocorrem esses acidentes com os homens concentram-se entre 18 e 24 anos. No sexo feminino, entre 30 e 34 anos. Fraturas, torções, cortes, contusões, distensões, esmagamentos e lacerações são as principais consequências.
PRINCIPAIS CAUSAS
O desconhecimento ou falta de percepção quanto às possíveis causas de acidentes estão, na avaliação do técnico em segurança, entre as principais causas para o crescente índice desses acontecimentos prejudiciais ao funcionário. “Muitos trabalhadores, principalmente os que atuam na informalidade, desconhecem os requisitos de segurança e os meios necessários para se proteger. Há também quem ofereça resistência às medidas protetivas, alegando que o tempo de experiência na função lhes garante a proteção necessária. Essa é uma afirmação equivocada, pois mesmo com muito tempo de experiência em uma determinada função, se uma análise de riscos for feita de forma precária, a chance de que ocorra um acidente é muito maior”, revela Robson.
E a lista das falhas recorrentes que colaboram com os altos índice de ocorrências de acidentes observada pelo técnico de segurança é extensa. Nela estão inclusas a baixa qualificação da mão de obra; falta de treinamento de segurança para as equipes; ausência de análise de riscos, ou análise de riscos deficiente; pressão excessiva para o cumprimento de prazos e metas; máquinas e equipamentos ultrapassados e/ou defeituosos e falta de manutenção preventiva de máquinas e equipamentos.
Ele completa o rol destacando também como erros que corroboram com as estatísticas os processos de trabalho não definidos; uso de ferramentas improvisadas; ferramentas excessivamente desgastadas pelo uso; falta de uso de EPI; utilização de EPI inadequado para a atividade; problemas de infraestrutura, como baixa luminosidade, ventilação deficiente, piso irregular, excesso de umidade e instalações elétricas inadequadas.
O observatório do CNJ foi desenvolvido pela SmartLab, parceria que envolve o MPT (Ministério Público do Trabalho) e a OIT (Organização Internacional do Trabalho), com colaboração de pesquisadores da USP (Universidade de São Paulo).
CONSCIENTIZAÇÃO
Mesmo considerando adequados os equipamentos de segurança para o trabalhador, Robson considera que a qualidade desses itens deve ter atenção especial, além de observados tanto a funcionalidade quanto o certificado de aprovação de cada um deles para as atividades às quais serão utilizados. Para que haja a esperada queda nas incidências de casos de acidentes de trabalho, o são-bernardense avalia que seja necessária conscientização entre lideranças e trabalhadores.
“Desde a gestão estratégica de uma companhia até a execução operacional e serviços de apoio, todos devem internalizar a importância da prevenção e entender que segurança ocupacional faz parte da tarefa e que não é um requisito que esteja separado do todo. Uma vez que a organização entende o valor da segurança e ela é colocada como premissa em todas as etapas de todas as atividades, os números de acidente e quase acidente diminuem consideravelmente”, finaliza o técnico em segurança do trabalho.
DANOS FÍSICOS E PSICOLÓGICOS
Ainda segundo informa o CNJ, os danos, tanto físicos quanto psicológicos, atingem não somente os acidentados, mas também as suas famílias, além de perdas financeiras. São R$ 13 bilhões por ano de prejuízos, em valores pagos por meio de benefícios de natureza acidentária despendidos pelo INSS (Instituto Nacional do Seguro Social), como, por exemplo, a antiga aposentadoria por invalidez, atualmente denominada aposentadoria por incapacidade permanente.
São, ainda de acordo com o Conselho Nacional de Justiça, aproximadamente 46 mil dias de faltas ao trabalho devido a essas ocorrências. Somente no ano passado, houve pelo menos cerca de 37 mil ações trabalhistas na Justiça do Trabalho referentes às condições de segurança e saúde em ambientes de trabalho. Esse índice leva em consideração diversos tipos de acidentes, desde reclamações que tratam de assédios moral e sexual, doença ocupacional até acidentes de trabalho, condições degradantes e limitação de uso de banheiro.